POR QUE LER/RELER OS CLÁSSICOS SHAKESPEARIANO
Maitê Lorenco
Hamlet é um dos clássicos Shakespeareano mais interpretado e mais assistido em todos os tempos. É possível que um sujeito assista Hamlet interpretado por amadores e algum tempo depois o assista em um suntuoso palco, interpretado por atores renomados e vivencie Hamlet com semelhante intensidade.
Se para Ítalo Calvino (2007, p.11) “[...] toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira”. É possível, também, que esse sujeito encontre na simplicidade do teatro amador, algo extraordinário que o toque de modo inesquecível, pois os clássicos literários nos auxiliam a perceber quem somos e quais as circunstâncias que nos levaram a ser o que somos. O que se processa na alma humana; aquilo que é internalizado, em diferentes circunstancias, torna-se parte de nossa essência, e contribui para que possamos entender melhor o significado de nossa existência.
A importância de ler/reler os clássicos Shakespeareano, deve-se, principalmente, aos temas abordados que são, na maioria das vezes, atuais para qualquer período histórico. Hamlet, por exemplo, apresenta temas como a morte, o ciúme, a traição, a paixão e a loucura.
Também em Por que ler os clássicos (p.10) Ítalo Calvino defende: “Os clássicos não são lidos por dever ou por respeito, mas só por amor [...]” para o autor o clássico é uma obra que se mantém atual, e nos instiga a uma análise psicológica mais complexa, daquilo que permanece atual ao longo dos séculos. É possível que um leitor, ou espectador que leia ou assista Hamlet quando está apaixonado; ou em outro momento, quando está vivendo a perda de um ente querido; ou ainda, se assiste a peça num momento de grande alegria, faça para cada um desses momentos, uma leitura específica.
Para Anthony Burgess (1996, p.88),
“[...] o Shakespeare do século XX é diferente daquele do século XIX; o Shakespeare da década de 1970 é diferente do Shakespeare da década de 1960. E assim será enquanto houver civilização; e cada novo aspecto de Shakespeare será tão verdadeiro quanto qualquer outro”.
Com os clássicos, quase sempre se aprende que o ideal de realização está em contradição com os limites racionais, pois eles nos orientam, de maneira e de acordo com a eventualidade e a fatalidade; e deste modo, Shakespeare levou sua obra a tornar-se um cânone literário e Hamlet a se manter atual, permanecendo como uma das obras mais comentadas de todos os tempos. Para Kierman (1999, p.66)
Cada peça é levada adiante por suas próprias contradições e sua necessidade de soluções; na verdade as peças não tem fim, porque trouxeram à luz mais questões novas do que as que podem ser respondidas dentro de seus próprios limites.
Em Hamlet temos a eventualidade, o desencontro, a fatalidade; e deste modo, um relato ficcional da vida de homens do passado, de homens que antecederam a obra Shakespeariana e de homens atuais; ficção que perpassou décadas e séculos; e permanece atual, pois embora os homens sejam outros, os problemas sejam outros; os sentimentos como o amor, o ódio, a paixão, o medo, a coragem e a incerteza, continuam a divagar; humanizando-se em entre pobres e ricos, belos e feios, bons e maus.
No famoso solilóquio: Ser ou não ser, as palavras de Hamlet ecoam a voz de todos os conflitos por ele internalizados. O monólogo tornou-se, de certo modo, a metonímia da peça Shakespeareana. Hamlet num momento de profunda reflexão; entorpecido pelo ódio, o desejo de vingança, o medo e a dúvida; fala para si, talvez não de si, mas sim, do que teme e de suas incertezas.
[...] O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando alfim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos. É essa idéia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa! Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte – terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou – quem nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados? [...] (HAMLET 1995, p.90).
A fragilidade, a hipocrisia e, até mesmo, a loucura humana são emoções vivenciadas por homens e mulheres de diferentes raças, classes e crenças; desde as mais remotas civilizações. Hamlet sofria a angústia de viver em meio a conflitos emocionais constantes, que afetaram, principalmente, suas relações com quem convivia cotidianamente. Para Hamlet, quanto mais forte o laço familiar, ou a amizade, maior deveria ser a cumplicidade. Sendo assim, via na mãe a máxima da traição; Suas obsessões e as circunstâncias da morte do pai; bem como, o casamento da mãe com Cláudio, seu tio, convergem para que Hamlet encontre razões plausíveis, para ele, que justifiquem seus atos.
Quando tenciona dirigir-se a mãe para adverti-la e tentar coagi-la para que se intimide e retroceda em suas decisões, Hamlet em meio as suas atribulações profere ironicamente: “[...] Que, neste momento, minha alma e minha língua sejam hipócritas; Por mais que as minhas palavras transbordem em desacatos. Não permita, meu coração que eu as transforme em atos!” (p.80).
Shakespearae continua a ser lido por despertar sentimentos como prazer e sofrimento. O autor tornou-se indiscutivelmente fonte de inspiração para muitos dos maiores clássicos que conhecemos na atualidade, tendo suas estruturas copiadas, adaptadas e atualizadas inúmeras vezes.
Atualmente os temas clássicos da obra Shakespeariana são interpretados em diferentes versões, inclusive em histórias em quadrinhos e até mangás. Isto significa, também, que os clássicos adaptam-se e são adaptados segundo a evolução dos tempos, como algo versátil, que se recria a partir da evolução humana e da modernização tecnológica.
REFERÊNCIAS
BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. Tradução brasileira de Duda Machado. São Paulo: Ática, 1996
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
KIERMAN, Victor. Shakespeare: poeta e cidadão. Trad. Álvaro Hattnher. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.
SHAKESPEARE, William. Hamlet. Trad. Millôr Fernandes. Porto Alegre: Editora
LP&M, 1995
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